Bola na mão, livro no pé
Ninguém entendia muito bem a conjugação deste exercício. O professor Rios, talvez por força do seu nome, era assim uma pessoa de vários afluentes – fitness, aeróbica, futebol – e possuía a energia da corrente agitada do rio no inverno e uma plasticidade que fazia dos obstáculos uma “provazita de salto de barreiras”. Por isso, aquela sua mania do “fitness” era muito criticada entre a fauna aquática de todos os rios…
Tudo bem…os alunos até lhe toleravam as suas extravagantes exigências, mas desta vez o professor fora longe de mais…Então, não é que lhe deu na cabeça que todo o bom futebolista tinha que exercitar simultaneamente a mente e o corpo? Por isso, dizia: «Livro na mão, bola no pé.». Fizera disto um lema, ignorando os protestos dos melhores futebolistas que consideravam dificílimo este exercício de equilíbrio. Confiante, o professor Rios não desistia mas, os pequenos da Escola de Futebol eram quem suavam as estopinhas!
Os rapazes iam para casa, experimentavam várias poses, até uns truques dourados de apito, porém nada parecia resultar: livro e bola não jogavam bem.
Conto-vos, agora, as dificuldades que cada um teve para satisfazer o capricho do Professor Rios: « Bola no pé, livro na mão…».
O Luís Filipe, defesa central, preparou-se, concentrou-se: Adidas no pé, «Tio Patinhas» na mão e, logo, deu um ataque de urticária á bola que se coçava tanto…tanto que era impossível mantê-la na relva, quanto mais no pé.
O Manuel João, médio, pôs-se a postos com as suas Nike nos pés e a revista «Maria» na mão. Nem imaginam o resultado! A bola pôs as mãos na barriga e começou com cólicas e enjoos protestando que as “coscuvilhices” lhe davam volta ao estômago …Um verdadeiro desastre!
O André Colaço, ponta de lança, pegou no «Dicas» que estava preso na porta do frigorífico com um magnete e disse:
- Cá está uma coisa fácil de ler! Elevou a bola do chão com o pé esquerdo para iniciar os toques, mas a bola teve um ataque de tosse e começou a escorregar, a es-cor-re-gar pelo chão qual lagartixa. E toques, NADA!
Numa outra casa, o Ilídio, guarda -redes, foi à estante do seu quarto retirou «Os melhores contos de Andersen» com ilustrações lindíssimas e foi ao índice e escolheu a história «Rapunzel».
No pátio de casa, sentou-se numa cadeira, abriu o livro e iniciou a ler em voz alta. Subitamente, a bola, que estava parada no chão, saltou-lhe para o pé direito e começou a dar uns toques: chuta-chuta-chuta-chuta sem nunca perder o ritmo, dado pela leitura em voz do Ílidio.
Ao virar a página, a bola virou de pé, isto é, passou, sem mais, para o pé esquerdo e aquilo é que foi ver a bola exercitar uns belos toques e outros truques! Fantástico! Espantoso!
Ilídio leu ainda Charles Dickens, Narnia, Robin Wood, Henri Cousteau e a bola no pé cada vez tinha mais elasticidade: fintas, toques de joelho, toques de calcanhar: as coisas que aquela bola não fazia!!!
Um dia Ilídio pensou: «Quem terá inventado a Lâmpada?» Foi à estante buscar uma Enciclopédia Juvenil, e livro na mão bola no pé, iniciou os exercícios: a bola estava eléctrica, mesmo eléctrica: ninguém a conseguia parar.
Chegado o dia de avaliar as capacidades de destreza livro-bola todos os rapazes obtiveram fracos resultados, excepto o Ilídio, que recebeu o elogio do Professor Rios:
- «Oh pá, tu vais longe. A bola nos teus pés até brilha, rapaz!
No final do treino, já no balneário, os colegas perguntaram ao Ilídio:
-Olha lá, qual é o teu segredo? Que andas a ler que consegues dominar tão bem a bola?
- Nada de especial. Eu até leio pouco - respondeu Ilídio. Por exemplo, pego numa enciclopédia e procuro saber quem foi Bell. Tu sabes?
- É algum futebolista? - Perguntou Manuel João.
- Não, é o inventor do telefone. E tu que leste?
- Eu li o «Dicas» do LIDL- disse o André Colaço.
_ Eu li a «Maria» e a «Vip» que era o que havia lá por casa - Acrescentou o Manuel João. Li a revista de fio a pavio mas a bola parecia histérica, até tinha enjoos!
- Olhem, porque não vão à Biblioteca requisitar um livro juvenil sobre Mozart, a Primeira Viagem à Lua? Até pode ser que resulte…
Estava descoberto o truque …Afinal a bola, tal como o professor Rios, era astuta e engenhosa, só apreciava o que era bom: gostava de leituras estilosas.
Assim, os jovens jogadores foram lendo uns, «O cavaleiro da Dinamarca», outros, «A lua de Joana» e aventuras e mais aventuras…
Houve até alguns praticantes que para treinarem os exercícios de bola parada até leram sobre a invenção do raio X e da penicilina.
Mas valeu a pena! À custa da bola no pé e livro na mão, Ilídio, tornou-se, uns anos mais tarde, um famoso seleccionador nacional. Bola no pé e livro na mão deu-lhe a desenvoltura mental e conhecimento técnico para ser um Grande do Futebol.
Ler e jogar é só começar…


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